Pelo Mundo na Eslovênia

Andréa Menescal Heath
Coluna Pelo Mundo

slovenia_640Uma bagagem de vida e experiência de trabalho que a levaram do Rio de Janeiro a mais de 60 países, incluindo Irã, Líbia, Madagascar, Tanzânia e Egito, Marta Helena dos Santos Berglez aterrisou em Liubliana, capital da Eslovênia, em 2013. Levada pelo amor e fugindo da violência no Brasil, esta poetisa e psicóloga infantil virou Sementeira! Está espalhando e semeando a cultura brasileira em suas mais variadas vertentes: música, poesia, teatro, dança, entre outras, naquele país. E o ensino do português como língua de herança (PLH) é uma parte fundamental desse projeto.

Plataforma Brasileirinhos – Como você foi parar na Eslovênia e há quanto tempo mora no país?
Marta Helena dos Santos Berglez – Conheci meu marido, que é esloveno, enquanto trabalhávamos no Alasca. Moramos em Porto Alegre por dois anos e em outubro de 2013 decidimos vir morar em Liubliana.

Sementeira_Art_4b (1)PB – Como surgiu o projeto Sementeira?
MHB – A idéia do Projeto Sementeira surgiu pouco depois que cheguei na Eslovênia, ainda em 2013. Quando comecei a conhecer um pouco mais a comunidade brasileira, percebi que algunas crianças já não falavam português por estarem aqui há algum tempo. Achei isso muito triste, particularmente pelo interesse especial que tenho pela psicologia infantil. Junte-se a isso o episódio que vivenciei de encontrar uma menina eslovena cantando Garota de Ipanema em perfeito português.

PB – Como foi isso?
MHB – Um dia, quando estava numa pracinha com a minha filha Nina (4 anos), ouvi “olha, que coisa mais linda, mais cheia de graça…”. Era uma voz infantil que vinha de um grupo de meninas brincando perto de nós. Cheguei mais perto para ver se estava ouvindo direito e ela continuava cantando. O pai estava ao lado e não resisti em perguntar em inglês: “Ela está cantando Garota de Ipanema?” Ele, sorrindo, me respondeu: “Sim, sim!” Falei que era brasileira e por isso estava perguntando. E ele: “Ah! O Brasil! Eu adoro a música brasileira! Não falo português e não tenho nenhum parentesco, nem relação com o Brasil mas sempre fui fã da música brasileira e ensinei várias delas para a minha filha desde pequena: Garota de Ipanema, O Barquinho, Leãozinho”.

PB – Assim, depois desses dois episódios você decidiu que precisava trabalhar com o português como língua de herança?
MHB – Isso mesmo. Por um lado, vejo uma menina eslovena cantar Garota de Ipanema e Leãozinho, porque seu pai, também esloveno e com uma paixão pela nossa música e cultura, a ensinou desde que nasceu. Por outro, encontro com uma brasileirinha que não fala português. Não, assim não pode ser, pensei. E decidi trabalhar de alguma maneira com a comunidade brasileira para aproximar mais os brasileirinhos que aqui vivem da nossa língua e da nossa cultura. Primeiro criei a página no facebook “Água na Peneira”, porque sou uma grande admiradora do Manoel de Barros, e mais adiante, o Projeto Sementeira. Acho que minha experiência de visitar países tão distantes me fez, cada vez mais, apreciar nossa cultura, entender sua diversidade e reconhecer a admiração que existe em cantos tão distantes do mundo por ela.

Projeto Sementeira 1

PB – A partir disso, como foi se estruturando o seu trabalho junto à comunidade brasileira?
MHB – Depois de criado o Projeto Sementeira (cujo logo foi gentilmente desenhado pela arquiteta e ilustradora brasileira que vive na Eslovênia, Tati Abaurre), levei a idéia ao Conselho de Cidadãos Brasileiros da Eslovênia (CCBE) e começamos a discutir possíveis atividades nas quais o CCBE também poderia atuar conosco. Nesse esforço conjunto, surgiu uma proposta da comunidade portuguesa de criarmos uma escola de português. Eles tinham o local e juntos planejamos e realizamos oficinas lúdicas para as crianças às sextas-feiras.

PB – Que idade têm as crianças envolvidas nas atividades?
MHB – As idades são variáveis. Temos desde bebês até crianças de 10 anos.

PB – Existe uma rotina no trabalho de vocês?
MHB – Ainda não existe rotina pois o projeto é bem novo e precisamos de maior apoio da comunidade. Nosso maior desafio é envolver a comunidade. Quando tivemos os encontros na Escola de Português os pais estavam presentes e se envolviam e em alguns eventos já contamos com a ajuda de pessoas da comunidade como, por exemplo, da Pérola Regina, que nos ajuda nas contações de histórias. A partir de maio teremos algumas oficinas lúdicas e multidisciplinares organizadas em parceria com a Embaixada do Brasil em Liubliana e o CCBE. O Projeto Sementeira oferecerá ainda algumas atividades extras como Roda de Capoeira, dentre outras.

PB – Como é essa cooperação do Projeto Sementeira com a Embaixada do Brasil em Liubliana?
MHB – A Embaixada nos apoia muito. Minha motivação com o Projeto Sementeira aumentou, inclusive, com a chegada da Embaixadora Katia Gilaberte. Ela é muito atuante em projetos culturais como o “Conto por Todos os Cantos” e o Projeto Raízes Brasil-África, que promove a vinda de escritores para contação de histórias para as crianças da comunidade. Já foram organizados alguns eventos com escritoras brasileiras e cabo-verdiana. Em março passado a Embaixada organizou um um café da manhã para mostrar o filme “O menino e o mundo” e depois, uma oficina de artes com o diretor do filme Alê Abreu. O CCBE e o Sementeira ajudaram na divulgação. Os trabalhos realizados pelas crianças foram até expostos na Galeria Nacional de Liubliana. Antes da Embaixadora e do Sementeira não havia projetos direcionados às crianças da comunidade brasileira. E para os nossos próximos eventos a Embaixada nos cederá um espaço, além de nos ajudar na divulgação das atividades que organizamos junto à comunidade.

Projeto Sementeira2

PB – Que atividade essa parceria Projeto Sementeira-Embaixada está organizando para comemorar o Dia do Português como Língua de Herança?
MHB – Vamos realizar no dia 23 de maio uma oficina de leitura sobre o livro “A girafa que comia estrelas” do escritor angolano José Eduardo Agualusa. Algumas marionetes foram especialmente confeccionadas para essa oficina pela artista Spela Oresnik.

PB – Que material vocês utilizam para as suas atividades com as crianças?
MHB – Usamos livros de autores brasileiros na Contação de Histórias e sempre música brasileira, utilizando, inclusive, instrumentos musicais indígena.

PB – Vocês possuem uma biblioteca com livros em português? Como vocês integram o livro no aprendizado do português para as crianças?
MHB – Temos um grande acervo de livros infantis e alguns filmes à disposição da comunidade na biblioteca da Embaixada do Brasil mas a busca pelos livros ainda é bem pequena.

O LIVRO EM NOSSAS ATIVIDADES É O MEIO PELO QUAL BUSCAMOS APRESENTAR A CULTURA BRASILEIRA ÀS CRIANÇAS.

PB – De que maneira vocês orientam os pais, as famílias sobre educação bilíngue?
MHB – A página no facebook “Água na Peneira” foi criada com esse intuito e lá divulgo tudo que está relacionado a esse tema.

PB – Que dificuldades você enfrenta no ensino de PLH?
MHB – O trabalho é bem recente e o grande desafio é levá-lo adiante e motivar a comunidade. Resolvi fazer o curso de PLH da Brasil em Mente também para me orientar melhor nesse caminho. Ainda não conseguimos mobilizar a comunidade para a importância dos projetos mas espero que aos poucos possamos fazê-lo. Aqui na Eslovênia a participação ainda é muito pequena e nos falta também apoio financeiro, por exemplo, para comprarmos materiais para certas atividades e pagar alguns profissionais que gostariamos de envolver nas atividades. Além disso, existe a questão da distância pois há muitas pessoas da comunidade brasileira que vivem longe de Liubliana e por este motivo não comparecem aos eventos.

PB – O que não pode faltar no trabalho de vocês?
MHB – Um real desejo de ser parte desse sonho. Entusiasmo.

PB – Qual seria o seu recado para os pais brasileiros que moram na Eslovênia e pelo mundo afora?
MHB – Não deixem de entregar a seus filhos esse tesouro que lhes foi dado, não lhes neguem o direito a essa herança tão bela que é nossa língua e nossa cultura. Apoiem as iniciativas, compareçam, envolvam-se. Juntos vamos dar à eles, filhos, filhas netos e netas, raízes porque o mundo dará asas.

PB – Que recado você gostaria de deixar para outros educadores e/ou mães e pais envolvidos no ensino de PLH?
MHB – Às vezes parecerá que só você se importa com seu projeto, seu sonho, e isto é desanimador. Mas não desista, siga em frente da melhor forma possível. Prepare sua sementeira, plante sua ideias, regue-as e deixe-as crescendo. E mesmo que seja um, apenas um brasileirinho que por ali passe para colher seus frutos de brasilidade, ali você tem uma conquista. Um jardim jamais pára de crescer.

7 comentários em “Pelo Mundo na Eslovênia

  1. E daqui do Brasil estamos na torcida para que o projeto desabroche e conquiste muitas familias e seus brasileirinhos !!! Sucesso Marta , parabéns pela nobre iniciativa e que seu entusiasmo seja recompensado com muitas conquistas !!!

  2. Parabéns, Martinha pela belíssima iniciativa! Não desanime e tenha certeza de quem quem planta, colhe. Pode até demorar um pouco, mas com perseverança, acontece!

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