Por Rita Turner
Coluna Culinariando
Minha filha de 3 anos acorda, levanta e ainda meio sonolenta vai para a mesa do café-da-manhã, quando, de repente, vira para mim e pergunta: “Mamãe, não tem sol?”
Pois é, infelizmente essa é a realidade de quem vive ao norte do Equador nessa época do ano. Dias curtos e frios. Somos obrigados a acordar antes do astro rei, o que, para uma criança de 3 anos, parece algo completamente sem lógica (como são inteligentes as crianças!).
Até pouco mais de um mês atrás, ainda tínhamos as festas de fim de ano para nos distraírmos. Mas agora a árvore já voltou pra caixa (ou compostagem), as luzinhas foram embaladas e os presentes abertos e muitas vezes já esquecidos. O que nos resta é uma temporada inteira de temperaturas baixas, enquanto assistimos à folia do carnaval brasileiro na TV e acompanhamos (com uma pontinha de inveja) os posts de nossos amigos e família no Brasil – férias na praia, brincadeiras na piscina, churrasco ao ar livre. O que fazer para tolerar tanta desgraça?
Entram as sopas. A sopa tem algo de especial que me conforta de uma maneira diferente de outras comidas. Está longe de ser meu prato favorito, mas não posso negar o papel reconfortante que um prato de sopa quente tem. Faz bem para a alma. Jorge BenJor já dizia que canja de galinha não faz mal à ninguém.
Engana-se porém quem pensa que sopa é só para dias frios. O escritor Gabriel Garcia Marquez descreve em seus livros cenas de seus personagens tomando caldos fumegantes em pleno meio-dia como sol a pino, os suores escorrendo das testas e encharcando os paletós de linho. Não se trata de um ato de rebeldia, auto-punição ou ignorância. Muito pelo contrário. Tomar caldos quentes no verão tem explicação científica: ao tomar uma sopa quente, o corpo sua e isso abaixa a temperatura corporal. A sabedoria popular, passada de geração em geração, já tinha sacado isso há muito tempo. Por isso é que a sopa é um prato comum, consumido o ano todo, em várias partes do Brasil onde o clima raramente esfria muito.
É bem provável que a sopa tenha dado nome à essa instiuição que hoje chamamos de restaurantes. Os primeiros restaurantes que se têm conhecimento (França, século 18), serviam “caldos restaurantes”, para restaurar o corpo. Não é a toa que sua mãe fazia sopa quando você estava doente.
Mas a sopa não precisa ser somente um prato servido à base da necessidade, afinal, que graça teria uma comida que só aparece quando estamos doente ou com dor de dente?
Vou compartilhar aqui duas lembranças muito queridas minhas que me vêm à cabeça quando penso em sopa. A primeira é a sopa de legumes da minha mãe. Reza a lenda lá em casa que a nossa panela de pressão foi adquirida justamente para acomodar o meu apetite por essa sopa com pedaços de legumes. É o popular sopão de legumes, cada casa tem o seu.
O lá de casa geralmente incluía muito queijo ralado e uma boa colherada de manteiga Aviação por cima. Me lembro claramente de várias noites sentadas no banquinho da cozinha e batendo pratos dessa sopa tão gostosa que pra mim tem gosto de casa. Essa é a sopa que hoje faço para minha filha e que ela aprendeu a chamar de “sopa neném”, homenagem singela à música da Palavra Cantada que tanto ouvimos aqui em casa (caso não conheça, recomendo procurar online, é uma música deliciosa).
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Minha outra memória-sopa é de quando meu pai costumava nos levar a um restaurante dentro do Shopping Eldorado de São Paulo, numa época em que a cidade só tinha uns três shopping centers. Uma das minhas melhores memórias dessa época é a sopa de ervilha que era servida no restaurante Saloon. O restaurante tinha uma daquelas portas vai-e-volta de filme faroeste. O pedido era sempre o mesmo: sopa de ervilha, que vinha acompanhada de palitinhos de pão. “Comer sopa é igual política”, dizia meu pai, “você começa pelas bordas e vai avançando até chegar ao centro”. E assim, a sopa vira também uma lição de estratégia.
Para os brasileirinhos na sua vida, eu recomendo investir na sopa de letrinha. Ela é divertida e também uma ótima oportunidade para brincar e aprender ao mesmo tempo, formando palavras ou simplesmente aprendendo as letrinhas, depende da idade. Outra vantagem da sopa é que ela leva tempo pra comer, o que significa mais tempo à mesa para dividir suas próprias histórias com seus brasileirinhos, sejam elas relacionadas às sopas da sua vida ou não, o importante é criar momentos que, como sabemos, viram poderosas memórias afetivas. Viva a sopa!
Receita da sopa neném lá de casa (sopão de legumes)
Comece escolhendo os legumes e vegetais que vão ser usados. Ótima oportunidade de fazer uma limpa na geladeira. Lave, descasque e corte tudo em pedacinhos. Refogue cebola picadinha no azeite (se gostar, use alho também), depois coloque os legumes, cubra com água e deixe ferver. Reduza o fogo e cozinhe tampada até or legumes ficarem macios. na hora de servir, incremente com o que gosta mais: torradinhas, queijo ralado, um fio de azeite ou uma colherada de manteiga.
Para fazer a sopa de letrinha, simplesmente acrescente o macarrãozinho de letras à qualquer sopa.
Rita Turner é correspondente de diversos blogs de culinária. Simpatizante do grande chef Alex Atala que costuma dizer que a comida é a maior rede social do mundo, Rita acredita na influência da cozinha na formação da identidade e a vê como um agente fundamental na preservação da cultura de um povo.
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Sopa é uma coisa tão deliciosa, que tem para todas as estações do ano !!!