Cozinha de quarentena

Querido leitor,

Gostaria muito de começar esse texto compartilhando contigo as minhas descobertas culinárias, de como tenho feito uso desse período sabático de quarentena para colocar em prática, na minha cozinha, minhas raízes brasileiras.  Queria escrever sobre as mil receitas de família que desenterrei dos livros e fiz, algumas com sucesso, outras nem tanto. De como aprendi finalmente a fazer um bolo de rolo tal qual uma boa pernambucana que não sou.

Me encantaria dividir com você histórias de uma quarentena doméstica, onde minha filha corta pedacinhos de goiaba pra colocar na massa do bolo, que depois iremos dividir juntas na mesa posta, o bule de café ao lado, a tranquilidade desse momento, o trocar de histórias. Você iria adorar saber que, depois de anos enterrados em gavetas, várias receitas ganharam vida na minha casa, na minha família. De como, finalmente, fiz o docinho de casca de limão , receita nordestina que sempre quis aprender a fazer, ou que, em algum lugar do meu armário descansa uma garrafa de licor de café – o mesmo que minha avó fazia, com cachaça e café forte. 

E do dia que fizemos acarajé, batendo a massa de feijão fradinho, sentindo seu peso na colher, a magia do dendê colorido a borbulhar na panela.  Do encantamento no rosto de minha filha ao ouvir o relato do meu primeiro acarajé, de frente à Lagoa do Abaeté num fim de tarde perfeito, como são os fins de tardes no Abaeté.  Dos muitos quibes que fizemos a quatro mãos, apertando a massa crua que vaza pela fresta dos dedos, o cheiro forte de hortelã e cebolinha no ar. Das conversas sobre a presença árabe no Brasil, minha filha atenta a cada detalhe, desde o Império Otomano até o amigo da sexta-série chamado Norton. Histórias de imigração e miscigenação compartilhadas sobre a pia da cozinha.

É verdade que gostaria muito de te contar todas essas histórias, mas de fato elas não aconteceram. Não seriam verdades, e eu minto mal.

A realidade é que, apesar de ter todo o tempo de um dia inteiro disponível, me falta vitalidade, essa força vital que nos impulsiona, inspira, e que se faz necessária no ato de cozinhar com criatividade.  Nos fechamos em casa, seguros, porém, lá fora – e em especial no nosso Brasil – o mundo como o conhecemos desmorona, levando consigo vidas anônimas traduzidas em números crescentes.

Para lidar com tanta incerteza, recorro ao familiar: arroz, feijão. Toda semana. Sem falta. O feijão reveza entre o preto e o jalo, enquanto o arroz ganha algumas variações mínimas: branco ou integral, com cenoura, açafrão, ou talos de brócolis. 

Numa realidade que mais parece um barco à deriva, o prato de arroz-feijão é uma âncora, ou no mínimo uma corrente em favor do vento que me leva a um porto seguro. É como reler um livro favorito. Saem as expectativas, a incerteza do novo, entra o conforto daquilo que conhecemos de olhos fechados, como a voz dos nossos filho entre tantas, ou o tato da mão companheira no escuro. Ao levantar da concha e ver a fumaça sair do caldo de feijão, ao sentir o cheiro de arroz fresquinho perfumando a casa, a menina que cresceu comendo arroz e feijão no interior do Paraná, reconhece esse carinho, e me lembra que sim, ao seu tempo, tudo vai ficar bem.

Rita TurnerRita Turner é correspondente de diversos blogs de culinária. Simpatizante do grande chef Alex Atala que costuma dizer que a comida é a maior rede social do mundo, Rita acredita na influência da cozinha na formação da identidade e a vê como um agente fundamental na preservação da cultura de um povo.
© Nosso conteúdo é protegido por direitos autorais. Compartilhe sempre com o link, citando: Plataforma Brasileirinhos, Brasil em Mente.

Panetone, abrindo a temporada de Festas

screen-shot-2016-10-09-at-9-50-13-pm

Rita Turner
Coluna Culinariando

O texto desse mês de dezembro está recheado de ideias para você fazer na sua cozinha com seus brasileirinhos, sem precisar exatamente colocar a mão na massa (crua). É que estamos falando do panetone, presença certeira nas mesas de famílias brasileiras nessa época do ano. Afinal, Natal sem panetone é Tonico sem Tinoco, cinema sem pipoca, Eduardo sem Mônica.

O primeiro panetone que entra em casa é como se fosse a largada oficial das festas de fim de ano. Mas tem que ponderar bem antes de comprar. Não pode ser muito cedo senão perde a graça, ou muito tarde, que não dá tempo de curtir aos poucos. Não chega a ser uma cerimônia, mas todo mundo entende que é uma ocasião especial, daquelas que vale a pena sentar-se à mesa e dividir com a família.

Lá em casa, o primeiro panetone era geralmente dividido entre eu, minha mãe e minha avó – três gerações de mulheres unidas ao redor desse pão doce que, assim como nossa família, tem suas raízes em Milão. Eu sempre gostei de comer panetone com cafezinho fresco feito na hora. De vez em quando, eu passava manteiga na fatia do panetone pra sentir o contraste do doce do panetone com o salgado da manteiga. Se você nunca experimentou, tente, pode virar sua nova rotina!

Na minha vida adulta, passei vários natais fora de casa, em terras distantes. Quando isso acontecia, minha mãe sempre me mandava um pacotinho pelo correio com um mini panetone – um ato de amor e de preservação.

panetone

 

+ Leia também: A rabanada amada

Panetone também é moeda de troca nessa época do ano. Vira presente para as professoras, amigo secreto do trabalho, e tem quem guarde um em casa para aquela visita inesperada de fim de ano.

História do panetone
Para entender a origem do panetone é importante lembrar que o costume de dividir o pão durante festividades religiosas está presente em comunidades cristãs desde sempre. É um ato de comunhão, sendo o trigo um ingrediente muito simbólico na história do cristianismo.

Relatos do século XV mostram que na véspera de Natal os pães eram divididos entre os convidados, e um pedaço separado para dar sorte para o ano seguinte. O trigo era artigo de luxo e as padarias só podiam assar e vender pães de trigo no Natal. Com o tempo, esse pão de Natal foi ficando mais elaborado, com adição de ovos, manteiga e eventualmente uvas-passas. A fermentação também só veio mais tarde, os panetones originais eram chatos como pães comuns (portanto, se a receita de panetone feita em casa embatucar, pode simplesmente dizer que é a ricetta originale.

Panetone de Milane
Na Itália, a origem do panetone é atribuída à cidade de Milão, na região da Lombardia. No Brasil, no começo da década de 50, a família Bauducco, imigrantes de Piemonte, trouxe o panetone para nossas terras com sua receita de família que domina o mercado brasileiro até hoje.

Pan di Tone
Embora haja certas lendas sobre um tal padeiro chamado Toni que acabou sem querer inventando o panetone (criando assim o “pão do Toni”), é bem provável que o nome panetone venha de pane di tono, que quer dizer pão de luxo em dialeto Milanês. O luxo nesse caso, é o uso de muita manteiga, açúcar e ovos, além é claro das uvas-passas que simbolizam boa fortuna.

Altos e baixos
O panetone nem sempre foi um cara alto. Suas primeiras versões eram baixinhas (tipo da Colomba Pascal), até que um padeiro chamado Angelo Motta, na década de 20, decidiu assar a massa numa forma cilíndrica alta e criou o formato que hoje conhecemos. Esse formato alto, parecido com um chapéu de chef é o que a gente mais conhece no Brasil, porém, na Itália, encontramos panetones altos e baixos, convivendo em perfeita harmonia nas prateleiras dos supermercados e padarias. Muito apreciado na Itália também é o pandoro, o primo do panetone que não leva frutas. Viva a diversidade!

Pra fazer em casa
Algumas comidas são sempre melhores feitas em casa. Não é o caso do panetone. Eu já fiz alguns panetones caseiros, e devo confessar que o trabalho não vale a pena. Claro, é um ato de superação dos seus dotes de padeira, mas os melhores panetones mesmo estão nas prateleiras dos supermercados. Para os fins desta coluna, porém, o panetone pode render uma atividade em grupo divertida e até uma tradição de fim de ano. Basta usar o seu panetone preferido comprado pronto e investir em umas das ideias abaixo, todas fáceis mas com resultados deliciosos.

Panetones ficam muito bem com recheios, coberturas ou decorados. Aqui vão algumas ideias para fazer com seus brasileirinhos.

panetone

panetone_poemeto

 

Rita TurnerRita Turner é correspondente de diversos blogs de culinária. Simpatizante do grande chef Alex Atala que costuma dizer que a comida é a maior rede social do mundo, Rita acredita na influência da cozinha na formação da identidade e a vê como um agente fundamental na preservação da cultura de um povo.
© Nosso conteúdo é protegido por direitos autorais. Compartilhe sempre com o link, citando: Plataforma Brasileirinhos, Brasil em Mente.

Panettone, getting started on the Holiday Season

screen-shot-2016-10-09-at-8-01-25-am

 

By Rita Turner
Colunariando Column
Translated by: Julio Soares de Carvalho

This week’s blog is filled with ideas for you to cook with your kids without them having to put their hands on  raw dough. We are talking about panettone, a certain presence on the tables of Brazilian families this time of the year. After all, Christmas without panettone is like watching a movie without popcorn, Thanksgiving without turkey, etc..

Starting the holiday season: The first panettone that enters the house could be seen as the beginning of the holiday parties. But you have to think before buying. You can’t buy it too early in the season or else the fun is gone, or too late because you can’t appreciate it little by little. It doesn’t end up being a ceremony, but everyone understands that it is worth sitting down at the dinner table and sharing it with family.

Growing up, the first panettone that arrived was usually shared between my mom, grandma, and I – three generations of women united around this sweet bread that, like our family, has its origins in Milan, Italy. I always liked eating panettone with a nice fresh cup of coffee. Sometimes, I would put butter on the slice to feel the contrast between sweet and salty. If you never did this, try it, it might become your new routine!

In my adult life, I spent many Christmases away from home, in distant lands. When this happened, my mom would always send me a mini panettone through the mail – an act of generosity and love.

panetone

+ Read also: The beloved French Toast

Panettone also becomes a currency in this time of the year. It can be a present to a teacher, secret santa at work, and there are those people who keep it at home for that unexpected visitor at the end of the year.

History of the panettone: To understand the origin of the panettone it is important to remember that the custom has always been to share the bread during celebrations as an act of communion because wheat is a very important ingredient in Christianity.

Documentation from the 15th century tells us that on Christmas eve, bread was divided among the guests, and a different piece was kept for the next year. Wheat was a sign of luxury and bakeries could only sell bread made with wheat during Christmas time. With time, this Christmas-bread started getting more elaborate, with the addition of eggs, butter, and, eventually, raisins. The fermentation also only came later. The original panettones were simple, like the common bread (therefore, if you embadum a recipe for panettone at home you can simply say that it is the ricetta originale.

Panetone de Milane: In Italy, the origin of the panettone is awarded to the city of Milan, in the region of Lombardia. In Brazil, at the beginning of the fifties, the Bauducco family, immigrants from Piemonte, brought the panettone to our lands with their own recipe which would dominate the Brazilian market to this day.

Pan di tone: Although there are legends about a baker called Toni who accidentally invented the panettone (this way creating the “pan di toni”), it is more likely however, that the name came from “pane di tono”, which means bread of luxury in the milanese dialect. The luxury in this case, is the use of a lot of butter, sugar, and eggs, as well as, of course, raisins, which symbolize fortune.

Highs and Lows: Panettoni wasn’t always a tall guy. Its first versions were short (like the one from Colomba Pascal), until a baker called Angelo Motta in the 20th century, decided to bake the dough in a tall cylindrical form and created the one we all know and love today. This tall format, with the appearance of a chef’s hat is the one we know best in Brazil, however, in Italy, we find tall and short, living together in perfect harmony in the shelves of supermarkets and bakeries. Pandoro is also very much appreciated in Italy, cousin of the Panettone but the difference is that it doesn’t contain fruit.

To make at home: Some foods are always better made at home. This is not the case of Panettone. I have made panettones at home and must confess that the effort was not worth it. Clearly, it’s an act of perfection by their bakery skills, but the best panettones are really on the shelves of supermarkets. To the purpose of this column, however, the panettone can create a fun group activity and even a fun new year’s tradition. All you need to do is use your favorite pre-made panettone and look into one of the ideas below, all easy but with delicious results.

Panettones are really good with fillings and toppings. Here are some ideas for you to make with your kids:

panettone

poem_panettone

Rita TurnerRita Turner writes to various culinary blogs. She is a big fan of chef Alex Atala who frequently saus that food is the biggest social network in the world. She believes in the influence of cuisines on the formation of one’s identity and see it as a essential agent in the preservation of culture.
© Our content is protected by copyrights. Share it always with the link, citing: Plataforma Brasileirinhos, Brasil em Mente.

Nega Maluca

Por Rita Turner
Coluna Culinariando

Esse mês a coluna Culinariando está de aniversário. Já faz um ano que começamos essa caminhada deliciosa pelos sabores e memórias que fazem parte da nossa história e são pedaços importante da nossa identidade. Em cada texto, um convite à reflexão e à ação: passar para nossos brasileirinhos no exterior um pouco da nossa história pela porta da cozinha.
Para comemorar a ocasião, hoje vai ter bolo – e com receita.

Continuar lendo “Nega Maluca”

Brigadeiro

Por Rita Turner
Coluna Culinariando

texto-legl

Chegou a hora de falar de brigadeiro, afinal, esse é o mês do Dia das Crianças. O brigadeiro é talvez o ítem da cozinha brasileira de maior carga afetiva, e não é pra menos. Com seus mais de 70 anos de história, ele é presença marcada em qualquer ocasião que mereça ser comemorada. Denominador comum das festas brasileiras, ele aparece do casamento ao batizado, sendo presença obrigatória nos aniversários de criança.

Continuar lendo “Brigadeiro”