Coluna High Tech
Aline Frederico
Para comemorar os 10 anos da Brasil em Mente, a coluna High Tech está de volta!
Estimular os brasileirinhos a falar o português é uma das tarefas mais difíceis do educador, seja pai ou professor, na área do português como língua de herança. A capacidade de compreensão e recepção do PLH geralmente se desenvolve mais facilmente do que a capacidade produção da língua, seja na forma falada ou escrita. Além disso, geralmente é há mais recursos para os pais estimularem a recepção da língua, por meio de livros – no formato impresso, e-book ou aplicativo literário–, televisão – TV tradicional, streaming ou YouTube –, além de canções, parlendas, adivinhas e outras brincadeiras com a nossa língua que as crianças adoram.
Mas você sabia que a literatura e a tecnologia também tem um potencial incrível de estimular a fala (e a escrita) do PLH? Um exemplo é o aplicativo Inventeca, da startup brasileira StoryMax. O aplicativo é uma biblioteca de narrativas visuais, isto é, histórias contadas por meio de uma sequência de ilustrações. No Brasil, esse tipo de narrativa é comumente chamada de livro-imagem, já em inglês são comuns os termos wordless picturebook (livro ilustrado sem palavras) ou silent book (livro silencioso).
Porém a verdade é que, ainda que a história visual seja “silenciosa”, a ausência de um texto verbal pode ter o efeito de estimular o leitor a produzir a sua própria narrativa. Especialmente quando a leitura é compartilhada, seja entre um grupo de crianças ou a(s) criança(s) e um(uns) adulto(s), é praticamente impossível navegar pela sequência de imagens sem discutir o que pode estar acontecendo e, principalmente, o que vai acontecer na cena seguinte. E assim, as histórias criadas pelos leitores, em colaboração, toma corpo.
A leitura compartilhada tem efeitos comprovados no desenvolvimento linguístico da criança, não só porque a criança é exposta ao sofisticado uso da linguagem verbal comumente encontrado em textos literários, mas também porque a situação de leitura compartilhada é um momento de intimidade e troca afetiva entre pais e filhos ou entre crianças e educadores. O suporte oferecido pelo adulto na compreensão da história, por meio de perguntas, comentários, detalhamentos e explicações também é um aspecto fundamental do grande sucesso da leitura compartilhada no desenvolvimento infantil.
Mas o que acontece se a história não tem palavras? Como a criança vai desenvolver a linguagem? É exatamente nesse aspecto compartilhado que a literatura visual pode ser mais interessante no desenvolvimento do PLH. O livro Visual Journeys Through Wordless Narratives (Jornadas Visuais por Narrativas Sem Palavras), das pesquisadoras Evelyn Arizpe, Tereza Colomer, e Carmen Manrtínez-Roldán, investigou como crianças imigrantes lêem uma das grandes obras primas da literatura sem palavras, o livro The Arrival, (no Brasil, A Chegada) do artista australiano Shaun Tan. A leitura em grupo dessa narrativa gerou grandes e profundas conversas entre as crianças. Essa pesquisa aponta para a universalidade das narrativas sem palavras e a possibilidade de integração de leitores de diferentes níveis de competência linguística. A narrativa visual atua como suporte quando a fluência da língua ainda está em desenvolvimento. Portanto, parece haver também um grande potencial na leitura dessas histórias para o desenvolvimento da língua de herança quando sua leitura é realizada de forma compartilhada.
Agora, e se os leitores pudessem gravar a sua história? Pois essa é a chave do Inventeca. O pequeno leitor pode escolher uma das diversas opções de história. Então aperta o botão de gravar, e registra a sua versão da narrativa visual. E pode fazer isso diversas vezes, já que cada vez que lemos uma história, ela é um pouquinho diferente, não é mesmo? E com isso, a capacidade e técnicas de contação de história tendem a se desenvolver, aumentando desejo de contar a história novamente, com um vocabulário mais vasto ou com uma estrutura mais sofisticada. E o adulto tem um papel importante em estimular e dar suporte a esse desenvolvimento juntamente com a criança.
O Inventeca funciona num sistema de assinaturas e novas histórias são adicionadas periodicamente. Uma vez que a regularidade e a consistência são muito importantes para o desenvolvimento do PLH, a leitura do Inventeca pode se tornar um daqueles momentos em que a família, esperando ansiosamente o lançamento de uma nova história, cria uma rotina gostosa para o uso do português. Sim, é possível contar as histórias em qualquer língua, mas convém aos adultos fazer desse um dos momentos em que o Português é o protagonista na vida familiar. Obviamente esse momento pode ser levado mais além, sugerindo que a criança escreva a história depois de gravá-la, se já for alfabetizada.
Finalmente, o Inventeca é um deleite visual, pois a biblioteca apresenta histórias ilustradas por vários artistas, com estilos e técnicas diferentes. Com o tempo e o aparecimento de mais e mais histórias, essa diversidade visual só tende a aumentar e isso pode ser explorado sugerindo que as crianças recontem a história por meio de seus próprios desenhos e contem aos pais o que desenharam e por quê.
Aline Frederico é doutora em Educação e Literatura Infantil pela Universidade de Cambridge, Reino Unido, e atualmente realiza estágio pós-doutoral na PUC-SP. Pesquisa a literatura infantil digital e os processos de construção de sentido envolvidos na leitura literária digital.
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