Fale com eles

Por Andreia Moroni

Criança quando começa a falar é um mistério. Mistério belo de entender e de acompanhar, em nosso atento decifrar de sons e palavras como pais e mães. Porque todo começo de linguagem é mesmo um serviço de numerologia, cartomancia, adivinhação. O que foi que o bebê-criança quis dizer?

Nessa nossa cabala, vamos interpretando como podemos o que o pequeno falante quis dizer. Ah, você quer o carrinho? Não? Quer passear de carro? Quer o carrinho da boneca? Quer passear no seu carrinho? Mistério.

Passada essa etapa mística inicial, repare como pessoinhas que querem falar são pura imitação. Elas vão imitar você, grande referência na vida delas. O irmão. Quem as cuida. Vão imitar na entonação, na construção da frase, vão repetir como papagaio o que foi dito a seu lado. “O que vocês gostariam de beber?” “Eu quero vinho”, dirá o adulto. “Eu quero vinho”, repetirá a criança a seu lado na mesa.

Lembrando que estamos aqui para falar de bilinguismo, de falar português fora do Brasil. Hora de colocar a mão na consciência: que língua você fala com o seu filho – e espera que ele fale com você? Inglês? Espanhol? Francês?

Ou ainda spanglish, portuñol, franglais? Portuspanglish, talvez?

O sorvete do seu filho está dropping e ele vai à guardería? Ele é seu sweetie, cariño? Vai pra cama e faz dodo?

Mentira dizer que morando em outro país nosso português não vai se adaptar também e incorporar os ingredientes linguísticos locais – o nome dos empréstimos de palavras estrangeiras é borrowing, é normal e está muito bem documentado, obrigada. Mas se você continuar misturando os ingredientes sem dosá-los provavelmente vai acabar mudando a receita da língua.

sopa de letrinhasPara a criança, você, adulto que convive com ela, é um falante-modelo. Você vai transmitir o português ao seu filho ou isso não é importante? (Nem sempre é.) Vai optar por se comunicar com ela no seu imperfeito idioma estrangeiro? Ou vai ficar em cima do muro, nem lá nem cá, em sua mistureba linguística particular que no fim das contas cumpre os propósitos de se expressar, já que os que te rodeiam te entendem, embora ninguém fale do seu jeito?

Enfim, que modelo você quer ser? (Pergunta que vale pra vida, não só pra língua.)

Fale com eles. Ouça-os. Mas, antes de corrigir ou se frustrar com a língua que os filhos falam, lembre-se que, antes de mais nada, eles também estão te ouvindo.

8 comentários em “Fale com eles

  1. Olá, Andreia. Gostei do seu artigo e fico feliz que o curso já esteja provocando efeitos na sua reflexão sobre as línguas de herança. Em breve entraremos no tema da língua materna e conto com a sua participação.
    Abraço e até a próxima aula.
    Fausta

    1. Querida Fausta, obrigada por visitar o blogue e por sua leitura atenta. Há muito para pensar nesse fascinante campo dos brasileirinhos expostos a mais de uma língua. Grande abraço, Andreia.

  2. Criancas que misturam as duas linguas acabam so sendo entendidas por pessoas que entendem as duas linguas.

    Quando falo com meu filho em portugues, faco questao de jamais usar palavras em ingles. Posso ate ficar 10 minutos explicando/desenhando o significado de uma palavra, mas me recuso a traduzir.

    Alguem ja frequentou alguma escola de onde o professor faz uma salada de duas linguas pra poder ensinar uma lingua estrangeira? Nao.

    1. Olá Anna,
      Parabéns pela persistência e paciência em ensinar português a seu filho. É para leitoras como você que tentamos trazer informações e comentários que ajudem nessa tarefa nem sempre simples, nem sempre fácil.
      Abraço,
      Andreia

  3. Olá! Acabei descobrindo este site super interessante, num momento de como posso dizer!?! Desespero? Moro na Alemanha e tenho um filhinho que irá completar 3 anos em julho. Até Fevereiro deste ano estava falando portugues e com um bom vocabulario e ja estava distinguindo bem com qual idioma deveria se dirigir a mim ou ao meu marido ( alemão). A cada vez que iamos ao Brasil seu vocabulario aumentava. Fiquei 2 anos e meio em casa e voltei a trabalhar e ele foi para o Jardim de Infância. E de repente ele só responde em alemão e quando fala comigo tbem em alemao. Eu sempre falei com ele portugues, leva a um grupo de brasileirinhos. E agora estou arrasada, será que isso é pela falta de contato ou a primeira oportunidade que teve para evoluir na linguagem foi infelizmente agora que entrou na escolinha e foi justamente em alemão. Sem falar na cobrança da familia, que fica me dizendo pra pegar no pé dele, que ele tem que falar o portugues. Vc teriam uma dica? Estou muito triste.

    1. Oi Viviane,
      Seja bem-vinda ao blogue do Brasil em Mente. Acredito que se você navegar pelas colunas anteriores encontrará informações que te ajudam a lidar com a situação pela que está passando.
      Entendo sua frustração, mas não se desespere. Agora que o mundo do seu filho se expandiu (e está rodeado de falantes de alemão, mais que de português) é normal que predomine o alemão nas escolhas linguísticas dele. Continue falando com ele apenas em português, mesmo que ele te responda em alemão. Frequente o grupo de crianças brasileiras, apresente materiais em português (livros, vídeos, músicas, o que estiver ao seu alcance). Se você já está fazendo tudo isso, na próxima visita ao Brasil acredito que seu filho não terá dificuldades em se aclimatar ao português, se soltar e falar nossa língua.
      Importante também é que os momentos de uso do português sejam prazeroso e naturais. Eu, pessoalmente, sou contra obrigar a criança a responder em português (ou a usar qualquer língua). Acho que isso pode criar uma associação negativa ao idioma que pode ser prejudicial.
      Abraço,
      Andreia

      1. Oi Andreia,

        Muito obrigada pela resposta e dicas.
        Amei o blog.
        Vou pesquisar mais por aqui.

        Abraco
        Viviane

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